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A FOGUEIRA MANSA DA ISABEL E DO JOÃO NAS NOITES DE IMAGINAÇÃO

Estávamos ao redor de um monte de madeira molhada. Não tinha jeito, melhor estar molhada, retirada do fundo d’agua, do que tirar madeira verde. A areia estava convidativa para ver o pôr do sol, naquele final de tarde. Duas fomes: de poesia e de jaraqui assado.


O pescador do grupo demorava a chegar do lago, onde, na margem, todos diziam que era infestado de tamanduás de unha grande. Lá, havia montes e colônias de formigas, em forma de torrão de barro escavado que pareciam mãos postas para rezar, contava-nos o pescador. “De fato, era um monte alto que dava para um tamanduá esconder-se, sem precisar baixar o rabo”.  


Como estava com sede, o pescador resolveu cortar um cipó e tomar a água que escorria de dentro. Depois, pegou um pedaço e começou a mastigar como se fosse chiclete. Eis o que aconteceu, provavelmente, por causa da água alucinógena do cipó ou pelo encanto do Mapinguari, que disputava as formigas com o tamanduá. Enfim, o pescador voltou para perto dos amigos trazendo peixes, aparentando estar meio confuso no que dizia.


Enquanto assava o peixe, foi contando sua aventura, ao redor da fogueira. O calor na madeira molhada ardia e estalava como foguetinho. O relato foi emocionante. Vejam aí.


Aconteceu que, ao descer da canoa e pisar na terra, aproximou-se do monturo de barro, tipo duas mãos em oração. Espantou-se com o tamanduá com olhos de fogo olhando para ele, com a língua de fora, cheia de formigas. Um vento forte o arrastou para receber um abraço do tamanduá. Não recuou e não teve medo de que as unhas do animal entrassem em suas costelas.


Seus amigos começaram a ficar espantados, perguntado o que era aquilo, mas continuou a falar sem saber explicar o que acontecera. Era o fim da tarde, na qual estavam reunidos para celebrar o dia de São João, à beira do lago.


Um dos presentes, também chamado João, contou a história da mãe de S. João Batista, o comedor de formigas e gafanhotos, de mel e manjericão. Dizia que era um cara brabo, antes de apontar o dedo para Jesus dizendo: "aquele ali é quem tira o pecado do mundo” e já tinha esfregado o dedo no nariz dos hipócritas do tempo de Jesus.


Então, o João decifrou a visão do pescador com muita imaginação, começando a comentar o monturo, em forma de mão em oração. "Em noite de São João, não podemos esquecer da mãe dele, a Dona Isabel, que foi a santa professora que ensinou para ele a diferença entre formigas voadoras e abelhas sem ferrão. O tamanduá veio dar o abraço de conforto para ele não ter medo do Mapinguari".


Todos ficaram curiosos com aquele refrão e, ao redor da fogueira, começaram a comer os peixes, jurando uma amizade que jamais se acabaria, entoando a canção "Olha pro céu, meu amor", piscando para as estrelas, dando-se as mãos e molhando o pés na água do lago.


Assim selaram, naquela noite maravilhosa de São João, a fantasia de um dia de pescaria, sem medo e agonia. A partir daquela noite perdida na saudade, compreenderam que a música evocava a memória de uma amizade que renasceu do medo e foi celebrada em uma noite inesquecivel, marcada pela alegria e pela união das pessoas ao redor da fogueira.


Obs. Esta última foto é cedida pela artista fotógrafa Gisele B Alfaia @giselealfaia

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