top of page

ALICE NO PARQUE DAS SURPRESAS CUIDANDO E PINTANDO A VIDA.



Ao amanhecer do dia, tinha feito um pedido. A resposta veio singelamente: "Meu amado Jesus! Faz-me instrumento de tua Paz e de tua ternura para aqueles que encontrar! Meus amigos da rua, os idosos que aparecerem no meu caminho". Sim, aconteceu de forma surpreendente como foi cada momento, antes e durante o encontro da Alice (80 anos), viúva. O marido, Deus o poupou da dor da viuvez. Antes de subir os 38 degraus para dar acesso ao terreno onde se situa o conjunto de pavilhões da Instituição de Longa Permanência de Idosos (ILPI), vi uma idosa caminhando sozinha e com dificuldade, no circuito de andanças do Parque. Parei e fui até ela puxar algum assunto, tentando adivinhar seu interesse para que passasse mais tempo com ela. Acolheu minha conversa, que teve o foco a ILPI. Falei dos idosos, lá de cima. Surpresa minha foi o interesse dela de escalar os 38 degraus, visitar e conhecer.

Realizamos a subida íngreme, parando em cada degrau, em interminável bate-papo, respirando fundo e dando a língua nos dentes. Contou-me que veio de Fortaleza porque, em Manaus, moram sua filha mais velha e o filho mais novo. O Djalminha morreu aos sete meses. Tem um anjo no céu.

Enfim, chegamos ao alto, mas eu sempre perguntando se estava tudo bem. Afinal, na pressa, esquecera sua bengala, mas sem se queixar das dores nos quadris e nos joelhos. Outra surpresa tive no seu andar e resistência, como graça de Deus! No topo da escada, pousamos o olhar no circuito do parque, lá em baixo, mas nosso intento era contornar os pavilhões andando pelas ruas internas. Alice, entretanto, queria visitar as instalações e chegar até a portaria. Antes, paramos num banco. Contou-me de sua decisão de voltar para Fortaleza, CE. Não queria ficar em Manaus. Disse-me que se sente só, durante o dia, porque a filha vai trabalhar no salão de beleza. Hoje, deixou-a no parque. De tardinha, o filho que mora perto a levará de volta para o apartamento da filha.

Outra surpresa vai acontecer. Ela insiste em perguntar se vamos entrar. Quer conhecer por dentro e fazer algumas perguntas. Como o meu rosto já é conhecido, fiz questão dela ser a protagonista da entrada e das perguntas. Diante de sua curiosidade, tive a impressão do conflito que, provavelmente, estava em seu coração. Não sei, mas morar na companhia de outros idosos, como seria? Vinham outras perguntas na minha mente. Melhor do que como está agora? Os filhos já tinham conversado sobre essa possibilidade? Ficar mais perto deles, em Manaus, e não voltar para Fortaleza? O fato é que os porteiros conseguiram que nós entrássemos para falar com a assistente social. Profissional muito educada, gentil e atenciosa para responder as perguntas da Alice.

Quanto aos óbitos, revelou a assistente social, que têm ocorrido mais, pelo motivo do acolhimento ser tardio, ou seja, diferente do passado, na época em que os idosos chegavam com menos idade e maior autonomia. Hoje, não poucos são acolhidos em fase avançada de fragilidades e necessidades que a família não pode mais dar conta, devido aos fatores da vida urbana e profissional. Confesso que, apesar dessas razões, falta o amor gratuito de quem já se sentiu cuidado e amado, mas não aprendeu a amar sem esperar nada em troca. Estes não conseguem entender, do fundo do coração, que a recompensa de amar é ter amado.


Parei de pensar e passei a dar atenção maior para Alice. Ela já estivera passeando no Parque e chamara atenção de um idoso que a valorizou e queria se reencontrar com ela. Não aconteceu. Sorrimos quando, ao passar frente à fila dos homens, eu perguntei se ela reconhecia o amigo que só ficou na memória. Ela me respondeu: "nem lembro como ele era" e dirigindo-se para mim, sorrindo, disse: "se ele estiver aí, vai pensar que essa velha já está com outro".

Alice se despediu. Apontou para a casa do filho e foi fazer uns exercícios. Deu para dizer para ela que eu escreveria um texto sobre nosso encontro, com o título parodiando o livro de literatura infantil de Lewis Carroll "Alice no País das Maravilhas". A Alice das SURPRESAS tem semelhanças com a Alice das MARAVILHAS.

"Alice é uma observadora e se aparece até como uma feminista. Ela está sozinha, tem que resolver seus problemas sem ajuda e sempre consegue chegar a um bom resultado". (Literatura Comparada da Faculdade de Letras da UFMG, Myriam Correa de Araujo Ávila). Eu concordo com a professora Myriam. As Alices nasceram para serem anunciadorAs da autonomia, pintando a vida nas cores de suas possibilidades, dentro das famílias e entre os idosos. (NP)


Comments


Olá, que bom ver você por aqui!

Sou um parágrafo. Clique para adicionar o seu próprio texto e editar. Sou um ótimo espaço para que seus usuários saibam mais sobre você.

Fique por dentro de todos os posts

Obrigado por assinar!

  • Facebook
  • Instagram
  • Twitter
  • Pinterest
bottom of page