HOMENS DO FERRO E A RESILIÊNCIA, BONDADE E PACIÊNCIA
O sucateiro motorizado clama por todo tipo de metal, plástico e derivados. É um brado que ninguém esquece ao passar pela rua. Marketing para descarte do que foi acumulado na troca de bens em desuso ou estragados, superados e ocupando espaços nos apartamentos da vizinhança do Parque Municipal do Idoso (PMI).
Não escrevo sobre esses e sim, sobre aqueles que vivem rondando nas obras em construção ou demolição, quase todos moradores da Vila Amazônia, vizinhança humilde do Conjunto Vieiralves, em Manaus.
Improvisam carrinhos velhos de bebês, carros de compras dos supermercados e outras engenhocas para recolher os ferros, esquadrias, canos e vergalhões restantes das obras, fogões, geladeiras quebradas e portões enferrujados. Fazem um verdadeiro "pente fino" de tudo que possa gerar um dinheirinho. Objetos pesados, são conduzidos pela rua até o depósito dos compradores que pagam, na hora.
Alguns são moradores de rua, andam em muitos lugares e vendem ao comprador mais próximo. Assim, me contou amigo com quem conversei muito sobre o trabalho de catador de sucata. Para conhecê-los, vamos recuperar a recorrência que a Psicologia fez, em suas pesquisas, quando tomou da Física o conceito de "resiliência”. Sabe-se que, a grosso modo, alguns metais, quando sofrem pressão, adquirem resistência que vem de sua composição e se tornam mais fortes, voltando ao estado de normalidade. Aplicando-se ao ser humano, quero dizer que esses homens de ferro, tornam-se fortes na medida do padecimento em convívio com os metais que recolhem. Chego a exagerar que há uma certa "simbiose" de fortalezas trocadas nessa inter-relação.
O sistema de compra e venda ,dessas sucatas de ferro , chega a ser de quase 50% dos homens desempregados acima de 40 anos, sendo que trabalhadores não habituais por profissão, quando encontram uma "mina" de lajes armadas não se importam de dividir o achado. O trabalho, para tirar as varas de ferro, exige resistência física que é somada com a resiliência necessária para sobreviver. Meu entrevistado da foto, tem nome bíblico, mas o chamam de "índio" que entre os companheiros não é ofensivo.
A relação comercial não é complexa, pois se assemelha à coleta de castanha em regiões sem proprietários, com diferença, de que o que está na rua pertence a quem encontrar e tiver força para transportar até um comprador.
Na verdade, quem mais lucra são os grandes compradores das empresas recicladoras de toda a sucata metálica, transformando-as em produtos novos. Sabemos que o aço pode ser completamente reaproveitado sem perder suas características, o que economiza recursos naturais, diminui a poluição e gera oportunidades para milhares de trabalhadores, como acontece perto de mim.
Esses se tornam homens de carne e osso por quem precisamos encontrar formas de apoiar. Ofício que diminui a exaustão do planeta pelo protagonismo de empobrecidos.
A partir deles, se vê uma verdadeira cadeia de homens do ferro. Para os coletores de sobrevivência de coleta de rua, que ferem as mãos nessa labuta, se aplica o ditado na sua nova versão "quem com ferro se fere, com o ferro, pouco sara sua ferida de fome e sede de direitos" (NP).
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