UM HERÓI CHAMADO BATALHA
Seringa, castanha e ariranha são símbolos remotos da memória mais antiga de nosso guerreiro, vejam que o chamam de Batalha. Açaí é o produto que vem na consciência imediata por associação quando me falou que nasceu em Codajás, Amazonas..
Falava-me contando, igual novela, a luta das lontras/ariranhas contra as onças. Enfatizava a inteligência das ariranhas, que faziam as onças fugirem porque em bando defendiam-se dos ataques. Como as onças d'água se alimentam dos peixes, são odiadas pelos pescadores. Mas o seu Batalha sabia que a caça da ariranha é devido a sua pele macia e lisa, de grande valor comercial. Tem memória de muitos amigos que ganhavam dinheiro com os patrões, mas acabavam com a espécie das ariranhas.
Seringa e castanha não fazem parte de sua história, nem nunca tornou-se profissional da pesca, embora entenda várias maneiras astuciosas de pegar peixe. O tambaqui com frutinhas da várzea e o pacu, relatando que, ao sacudir arbustos com teias de aranha, era só enganar o peixe que vinha direto no anzol.
Mas o trabalho que muito o fazia orgulhoso, ele ensina como uma lição para os Recursos Humanos de qualquer empresa, declarando com sabedoria: "o trabalho que nos faz feliz é aquele que a gente gosta, e não adianta se matar só para ganhar dinheiro".
Foi operador de um trator Komatsu na abertura de estradas entre Codajás e Anori, hoje com uma produção de açaí, sem entre safras. Operou na estrada que liga Manacapuru a Manaus e na estrada que segue para Boa Vista. Trabalhou em alguns trechos. Começou como ajudante voluntário, assumindo os tratores quando o operador titular ia para Manaus. Enfim, convenceu os responsáveis do INCRA e das empresas parceiras para que assinassem sua carteira de trabalho. Eram projetos de colonização. Deu-me detalhes da cabine do trator, que tinha até ar condicionador. Disse-me que nunca se cansava por estar abrindo a estrada em plena floresta. Não havia volante nos tratores e gesticulava as ponteiras de marcha e da direção como se estivesse revivendo a experiência do seu tempo passado muito feliz. Faz faz seu ponto de observação a beira da calçada, vai de um lado para o outro da rua para evitar o sol. Vê o Parque Municipal do Idoso a uns 50 metros de distância, conta de sua felicidade de participar, dançar e fazer boas amizades. Tinha o olhar do coração para aqueles que estavam internados com ninguém para conversar longamente e contar suas histórias.
O Batalha é muito querido pelos passantes, de onde se posta com sua bengala por causa de uma fraqueza na perna direita. O local é seu posto de acenos e de brincadeiras com os colegas frequentadores do Parque. Adora músicas regionais, cantadas pelos grupos Raízes Caboclas e Canto da Mata, identificando-se com elas, imaginando a correnteza dos rios, o barulho das cachoeiras e o canto dos pássaros.
Foi um migrante entre municípios amazônicos. De Codajás foi para Beruri, Am. Depois, baixou o rio Solimões, subiu em seguida para Tabatinga e para tantos outros. Em Manacapuru, comunidade de Bela Vista, passou mais tempo onde recorda da Cooperativa dos Japoneses. Sr. Ivan Batalha, nasceu em 1939, tendo seus 83 anos bem vividos. Adquiriu sabedoria e fala da amizade, da vida humilde e diz que é triste conhecer gente orgulhosa e de cabeça erguida, que se acha maior do que os outros.
Não teve filhos, declarou-se estéril. Tem seu lado poético e apaixonado pela natureza. Lembrou com carinho de um rouxinol que ganhou de presente, mas que alguém levou sem sua permissão, deixando-o triste. Recorda de ter visto tucunarés apodrecendo dentro de canoas em tempo de fartura e, quando protestava contra o estrago, ouvia a resposta de que peixe nunca faltaria. Hoje, quando vai para o seu terreno no Rio Negro, perto de Manaus, não consegue pegar nada.
Tem amigos fiéis que passam onde faz seu ponto de contato com o mundo, que gira sobre seu olhar. Admira as mulheres bonitas que passam, responde as perguntas que os moto taxistas lhe fazem e brinca com os idosos de sua idade que param perto dele para conversar. Vida valiosa foi a sua, consumida pelo amor e pelos encontros das pessoas que lhe marcaram, que já se foram para Deus.
Batalhador no outono da vida, investe em novas amizades e celebra a alegria de viver ao lado do Parque Municipal do Idoso, em Manaus. Tem uma companheira que também não tem filhos. Quando ela viaja, faz suas refeições e se gaba de saber cozinhar. Tem o segredo da saúde, conforme um médico que lhe recomendou: compra os "rejeitos" da canela do boi e com os ossos cozinha com legumes e saboreia feliz. Justificou que o boi dificilmente dorme deitado, por isso tem pernas fortes.
Falou para meu espanto que sabe preparar até cobra, mas tem que ser sucuriju, cuja banha sara depressa as feridas. Até de remédio entende. Apontou um pé de andiroba do Parque e disse-me que sabe como tirar o óleo medicinal, pois sofre do nervo ciático.
Nunca falou de fé e de religião, mas tenho certeza que está ligado a Jesus que o ama e nunca o deixou. Por coincidência, aconteceu que, ao perguntar se já morou perto de alguma igreja, ele disse que sim, da Capela de Nossa Senhora de Fátima. E era o dia o dia 13 de Maio, ensinando-me que o Amor de Mãe na sua vida foi permanente, e assim será na eternidade.
Saúde e Fé para você, amigo Batalha, você que foi e é amigo de mil amigos, tendo Jesus como o mais fiel. Podes crer! Meu sonho ainda é ouvir e registrar mais histórias daqueles que se encontram abrigados na ILPI (Instituição de Longa Permanência de Idosos) Dr. Thomas.
Vida valiosa a tua também, querido tio Nelson, desde há muito tempo consumida pelo amor e pelos encontros que continuam construindo a tua própria vida. Um lindo legado de amor que você compartilha com alegria! ❤️
Obrigada por compartilhar vidas.